quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Cinema e o Terrorismo de Estado nas ditaduras latino-americanas




           Bernardo Betolucci, Francesco Rosi, Gillo Pontecorvo, Luiz Puenzo, 
Costa-Gravas. Grande parte da população desconhece esses nomes e, consequentemente, as obras que estes diretores produziram e que contam através de seus olhares perspicazes e seus espíritos engajados, a História, na maioria das vezes sombria e opressora, a partir da qual entendemos ou, pelo menos, buscamos compreender as problemáticas do mundo. 

Os cineastas citados anteriormente caracterizam-se por deixarem claro, por meio de suas produções, as críticas e percepções pessoais em relação à política e à história mundial. Além disso, tomam os conflitos políticos e ideológicos, muitas vezes sangrentos, como ponto de partida para reflexões sobre a repartição do poder entre os homens e as conseqüências decorrentes desses jogos políticos. 

É em mais uma tentativa de levar ao espectador a ferramenta para a compreensão de uma época marcada pela opressão e pelo medo que Luiz Puenzo e Costa-Gravas, o primeiro em A História Oficial e o segundo em Estado de Sítio, tomam como premissa o Terror de Estado, estruturado e subsidiado pelos Estados Unidos nos regimes ditatoriais latino-americanos, respectivamente na Argentina e no Uruguai. 

Ambos os longas são ambientados na época da Guerra Fria, conflito ideológico entre capitalismo e socialismo, marcado por disputas territoriais que transformaram o mundo em um verdadeiro jogo de xadrez. Tanto A História Oficial quanto  Estado de Sítio abordam a influência da superpotência capitalista (EUA) na América Latina, que antes da Revolução Cubana de 1960, ocupou um lugar marginal, por se tratar de um local distante da área central das disputas entre a União Soviética e os Estados Unidos.

      
A “direitização” da América Latina por parte dos americanos, principalmente através da CIA, temendo o alastramento do ideal cubano, teve como resultado uma seqüência de ditaduras sangrentas e corruptas, que é retratada quase que fielmente pelos dois longas-metragens. 


Em A História Oficial, filme produzido em uma época em que o questionamento sobre a ditadura ainda estava em voga, Puenzo retrata um ano de muitas mudanças na Argentina, especificamente no fim da ditadura que a cada dia estava mais próxima de sucumbir.


 Por meio dos conflitos enfrentados por Alícia Ibanez, uma professora de História, e pela colocação de um aluno que disse “A História é escrita por assassinos”, percebemos que a protagonista faz parte de uma elite subsidiada e patrocinadora dos interesses americanos. Ao mencionar que leciona somente a “História Oficial” da Argentina e de seus mártires, a personagem verbaliza essa condição.

A professora Alícia, apesar de a História estar diante de seus olhos, parece não enxergar o que acontece ao seu redor.  Ela muda sua perspectiva a partir da cena (que por sinal, é uma das mais belas e emocionantes do filme) em que uma velha amiga volta do exílio e conta sua história de perseguições e torturas. Ao contrário do que muitos diziam, ou seja, do que os detentores do poder almejavam, Alícia passou a refletir e a questionar o que realmente é História Oficial e qual a verdadeira origem de sua filha adotiva Gaby.

A história que a professora tinha conhecimento foi contata pelo marido, um membro da “polícia argentina”, portanto, a favor e colaborador da ditadura, de que a mãe biológica de Gaby tinha abandonado a menina. Ao ouvir e ver, quase obrigada pelos seus próprios alunos, os raptos de filhos de “desaparecidos”, Alícia começa a acreditar que o bebê a qual adotou possa ser uma destas crianças.

A professora entra em contato com hospitais e órgãos públicos para descobrir a verdadeira história de sua filha, porém, não consegue dados que a conduzam para os fatos. No entanto, ao se relacionar com a associação das Avós da Praça de Maio, a avó biológica da menina é encontrada.  Já o marido nega a história descoberta pela esposa e com a queda da ditadura entra em desespero ao ver o seu mundo desmoronar.

 Todo esse drama contado através da história de Gaby, filha de um casal que foi repreendido, torturado e possivelmente morto em conseqüência da ditadura, mostra ao espectador uma burguesia que preferia tapar os olhos para o que estava acontecendo e a burocracia, ou seja, o Estado corrupto e subsidiado pela potência capitalista, que se desesperava ao ver que seu fim estava próximo. A menina, por sua vez, é a conseqüência da ação criminosa da ditadura argentina e da repressão organizada pelos Estados Unidos em terras latino-americanas. 
   
Costa-Gravas toma o mesmo viés político, mas sem o tom romanesco de A História Oficial, estando muito próximo do real, fato provavelmente constado pelo roteiro escrito por Franco Solinas (também roteirista de A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo), que se baseou em um fato ocorrido no Uruguai, verificado principalmente pela manutenção de nomes de personagens reais na história do período repressor neste país. 

O longa-metragem também evidencia a participação dos Estados Unidos nas ditaduras da América Latina nas décadas de 60 e 70 (época Guerra Fria), por meio da história de um bem arquitetado seqüestro do embaixador do Brasil no Uruguai e de um funcionário norte-americano. 

Os seqüestradores, membros do grupo guerrilheiro Tupamarros, também chamado de Exército de Libertação Nacional, que realmente existiu, exige, em troca dos dois seqüestrados, a libertação dos presos políticos e cidadãos politizados que lutavam como podiam para terem de volta seus direitos.
Por meio dos interrogatórios realizados pelos Tupamarros ao então funcionário da CIA, que toma boa parte do enredo e que dita a história do filme, é que emergem dados aterrorizantes e a constatação definitiva da ação estadunidense nesses países, inclusive no Brasil, no qual mais de cem policias foram “treinados” para aplicar técnicas de torturas quando forem necessárias.

 É  nesse contexto e com o desenrolar dos interrogatórios que Costa-Gravas mostra a Instalação da Escola das Américas, uma escola de tortura na qual os países alinhados enviavam representantes para receber instruções e procedimentos e exportar essa espécie de repressão policial.


 

Em suma, uma frase que o filósofo francês Jean PaulSartre citou resume o que os dois diretores quiseram passar em suas produções: “Não existe necessidade de tortura. Aquele que dá a pancada pode esquecer facilmente, mas quem porta as cicatrizes precisa lembrar”. Sendo assim, tanto A História Oficial quanto  Estado de Sítio mostram que se torna necessário revelar à população sua História verídica, ou seja, a que não é muitas vezes contada nos livros, além de dar a ferramenta que precisam para refletir sobre o que aconteceu, a conseqüência que desencadeou esses fatos e, quem sabe, prever ou ao menos tentar fazer do futuro algo diferente. 

O mais importante é nunca esquecer o que ocorreu, já que nenhum povo sobrevive sem memória e certamente, a História é a memória dos povos.

2 comentários:

  1. Olá, Jayson, gostei muito da postagem aqui, achei muito válido nas palavras escritas nessa reportagem, e o videos e o filme também muito bom e ressalta muitas coisa do periodo aparentimente parece ser bem verdadeiro... Até onde sei a a Ditadura da Argentina foi umas das mais crueis da Amareica Latina, a memoria desses povos latinoamreicano nunca pode cai no esquecimento pois é uma nação muito bonita e culturamente magnifica, o filme está otimo, o cinema lá é bom!!!!! Parabéns...!!! Abraço!

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  2. Olá amigo Thiago!
    Que honra ter você por aqui. Confesso que acreditava que pouquíssimas pessoas iriam se interessar pelo texto. Me enganei. =) Fico feliz em poder compartilhar minhas opiniões com amigos que possuem uma grande bagagem cultural e histórica como você. Realmente a ditadura na Argentina foi uma das mais cruéis da América Latina e desde o aprofundamento na história do nosso vizinho eu me apaixonei pelo país. Aconselho a ver o filme "A História Oficial", você pode encontrar em locadoras como a 2001. Infelizmente não possuo o DVD senão te emprestava. Um grande abraço e sinta-se à vontade para voltar.

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